Conflitos relacionados com práticas de fiscalização e seu planejamento
Os procedimentos adotados na atividade fiscal individual e o próprio planejamento dessa atividade para setores de atividade e áreas geográficas, em determinados momentos, se tornaram motivos de conflitos. No extremo das divergências, estava em jogo a prática de corrução, seja abertamente comprovada a partir de denúncias, seja decorrente de suspeitas que, por falta de investigação, não chegava a ser comprovada e se resumia a gerar boatos.
Em novembro de 1991, dois servidores do quadro fazendário, com larga experiência, inclusive de direção, subscreveram documento de dez páginas que revelam um clima de muitos conflitos na área da administração tributária. O documento, estruturados em tópicos e subtópicos, com introdução e conclusão, começa registrando a grande rotatividade de dirigentes no órgão setorial mais importante - o I Departamento Regional da Receita, o da Capital - que teria tido, segundo o documento, 10 dirigentes num período de 10 anos. A substituição estaria ocorrendo naquele mês de novembro de 1991.
Essa rotatividade é, de imediato, sem explicação dos autores, responsabilizada pela "falta de respeito às autoridades constituídas, o descumprimento das obrigações funcionais e a prática frequente de deslavadas mentiras". A substituição teria sido motivada pelo fato de o administrador que saía ter contrariado os interesses de "grupo da rua Imperial, sede da repartição, sempre pronto a reagir às reformas que impliquem em seriedade, eficiência, disciplina e sobretudo TRABALHO".
As medidas geradoras do conflito se voltavam para desarticular uma "Comissão de Processos", "uma equipe fiscal com a finalidade exclusiva de informar processos ... . Era constituída, com raras exceções, por Auditores rebeldes, cansados, decanos políticos militantes, e a grande maioria contava com mais de 35 anos de serviços prestados". Um registro grave: "Alguns desses Auditores detinham em seu poder mais de 20 processos, muitos deles com até quatro anos, sem qualquer movimentação e alguns alusivos a contraditório de autos de infração, quando o prazo estipulado pela lei, para a informação fiscal, é de apenas 15 dias. As reclamações por parte dos contribuintes eram frequentes e a imagem da classe de Auditores e Administração como um todo estava comprometida, principalmente, quando os `boatos` circulavam pelos corredores e nos chegavam ao Gabinete, de que havia uma tabela para as informações processuais. O preço variava conforme a complexidade da informação...". "Com a anuência dos superiores hierárquicos, resolvemos extinguir a referida equipe... . Os processos foram redistribuídos e os Auditores escalados para participar de Ação Fiscal Programada, como os demais colegas".
Os problemas se extenderam além da dissolução dessa Comissão de Processos. A distribuição das tarefas de agosto provocou diversas reações. Os auditores receberam tarefas relacionadas com duas atividades econõmicas (mercadinhos e materiais de contrução). "Uns reclamavam da tarefa alegando não entenderem de máquinas registradoras ...; outros diziam que as firmas escaladas eram de pequeno porte (nota: isto exigia maior quantidade de trabalho para atingir os valores de créditos tributários estabelecidos pela tabela de remuneração); alguns alegavam, ainda, que a formação das equipes tinha como objetivo "fiscalizar o fiscal".
Percebem-se conflitos com os auditores quanto ao tipo e ao volume do trabalho exigido pela direção do Departamento. As alegações dos que se consideravam prejudicados são contraditadas no documento. Havia os "que se declaravam incapazes de fiscalizar uma grande loja de departamentos; outros argumentavam que empresa de grande porte não sonega; houve quem sugerisse publicamente uma ´programação livre´, como nos velhos tempos, em que o Auditor escolhia a empresa a ser fiscalizada, sem controle, sem acompanhamento...".
Dois parágrafos são significativos, em razão da natureza do problema e do longo tempo a que a observação se refere:
"Vale ressaltar que desde 1979 se tenta implantar uma ação fiscal sistematizada, subsidiada, dirigida, com análise e acompanhamento dos resultados. Infelizmente, é uma das ações da Secretaria da Fazenda que sempre sofre resistência. Essa reação é sintomática ... (Nota: essas reticências não significam omissão, neste blog, de parte do texto original; foi colocada pelos autores do documente para insinuar objetivos escusos). Com o funcionamento do DEPLAF, pensou-se haver consolidado o planejamento fiscal; no entanto, com a penúltima reforma estrutural tudo retornou ao seu marco inicial. De projetos e programas existentes à época, tem-se apenas uma vaga lembrança".
O DEPLAF mencionado era o Departamento de Planejamento Fiscal criado em 1988 para centralizar o planejamento e a avaliação fiscal. Sua estruturação contou com a colaboração do Projeto Teuto-Brasileiro, uma missão de cooperação internacional alemã. Não foi explicitada qual tenha sido "a penúltima reforma estrutural" referida no documento.
A distribuição de tarefas cuja realização implicasse o Auditor permanecer "interno" também era motivo de muita reação, pois "Membros (do grupo) há que exercem outras atividades até mesmo contrárias aos interesses da SEFAZ e cujo horário de exercício dessas atividades se incompatibiliza com o da repartição. ... Uns são cotistas de empresa, outros, mais fazendeiros que fazendários, uns consultores de empresas, outros advogados disfarçados".
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