Edifício da Secretaria da Fazenda

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domingo, 24 de outubro de 2010

1988 - 1995 - Pessoas, atividades técnicas desenvolvidas e conflitos de interesses

Conflitos relacionados com práticas de fiscalização e seu planejamento

Os procedimentos adotados na atividade fiscal individual e o próprio planejamento dessa atividade para setores de atividade e áreas geográficas, em determinados momentos, se tornaram motivos de conflitos. No extremo das divergências, estava em jogo a prática de corrução, seja abertamente comprovada a partir de denúncias, seja decorrente de suspeitas que, por falta de investigação, não chegava a ser comprovada e se resumia a gerar boatos.

Em novembro de 1991, dois servidores do quadro fazendário, com larga experiência, inclusive de direção, subscreveram documento de dez páginas que revelam um clima de muitos conflitos na área da administração tributária. O documento, estruturados em tópicos e subtópicos, com introdução e conclusão, começa registrando a grande rotatividade de dirigentes no órgão setorial mais importante - o I Departamento Regional da Receita, o da Capital - que teria tido, segundo o documento, 10 dirigentes num período de 10 anos. A substituição estaria ocorrendo naquele mês de novembro de 1991.

Essa rotatividade é, de imediato, sem explicação dos autores, responsabilizada pela "falta de respeito às autoridades constituídas, o descumprimento das obrigações funcionais e a prática frequente de deslavadas mentiras". A substituição teria sido motivada pelo fato de o administrador que saía ter contrariado os interesses de "grupo da rua Imperial, sede da repartição, sempre pronto a reagir às reformas que impliquem em seriedade, eficiência, disciplina e sobretudo TRABALHO".

As medidas geradoras do conflito se voltavam para desarticular uma "Comissão de Processos", "uma equipe fiscal com a finalidade exclusiva de informar processos ... . Era constituída, com raras exceções, por Auditores rebeldes, cansados, decanos políticos militantes, e a grande maioria contava com mais de 35 anos de serviços prestados". Um registro grave: "Alguns desses Auditores detinham em seu poder mais de 20 processos, muitos deles com até quatro anos, sem qualquer movimentação e alguns alusivos a contraditório de autos de infração, quando o prazo estipulado pela lei, para a informação fiscal, é de apenas 15 dias. As reclamações por parte dos contribuintes eram frequentes e a imagem da classe de Auditores e Administração como um todo estava comprometida, principalmente, quando os `boatos` circulavam pelos corredores e nos chegavam ao Gabinete, de que havia uma tabela para as informações processuais. O preço variava conforme a complexidade da informação...". "Com a anuência dos superiores hierárquicos, resolvemos extinguir a referida equipe... . Os processos foram redistribuídos e os Auditores escalados para participar de Ação Fiscal Programada, como os demais colegas".

Os problemas se extenderam além da dissolução dessa Comissão de Processos. A distribuição das tarefas de agosto provocou diversas reações. Os auditores receberam tarefas relacionadas com duas atividades econõmicas (mercadinhos e materiais de contrução). "Uns reclamavam da tarefa alegando não entenderem de máquinas registradoras ...; outros diziam que as firmas escaladas eram de pequeno porte (nota: isto exigia maior quantidade de trabalho para atingir os valores de créditos tributários estabelecidos pela tabela de remuneração); alguns alegavam, ainda, que a formação das equipes tinha como objetivo "fiscalizar o fiscal".

Percebem-se conflitos com os auditores quanto ao tipo e ao volume do trabalho exigido pela direção do Departamento. As alegações dos que se consideravam prejudicados são contraditadas no documento. Havia os "que se declaravam incapazes de fiscalizar uma grande loja de departamentos; outros argumentavam que empresa de grande porte não sonega; houve quem sugerisse publicamente uma ´programação livre´, como nos velhos tempos, em que o Auditor escolhia a empresa a ser fiscalizada, sem controle, sem acompanhamento...".

Dois parágrafos são significativos, em razão da natureza do problema e do longo tempo a que a observação se refere:

"Vale ressaltar que desde 1979 se tenta implantar uma ação fiscal sistematizada, subsidiada, dirigida, com análise e acompanhamento dos resultados. Infelizmente, é uma das ações da Secretaria da Fazenda que sempre sofre resistência. Essa reação é sintomática ... (Nota: essas reticências não significam omissão, neste blog, de parte do texto original; foi colocada pelos autores do documente para insinuar objetivos escusos). Com o funcionamento do DEPLAF, pensou-se haver consolidado o planejamento fiscal; no entanto, com a penúltima reforma estrutural tudo retornou ao seu marco inicial. De projetos e programas existentes à época, tem-se apenas uma vaga lembrança".

O DEPLAF mencionado era o Departamento de Planejamento Fiscal criado em 1988 para centralizar o planejamento e a avaliação fiscal. Sua estruturação contou com a colaboração do Projeto Teuto-Brasileiro, uma missão de cooperação internacional alemã. Não foi explicitada qual tenha sido "a penúltima reforma estrutural" referida no documento.

A distribuição de tarefas cuja realização implicasse o Auditor permanecer "interno" também era motivo de muita reação, pois "Membros (do grupo) há que exercem outras atividades até mesmo contrárias aos interesses da SEFAZ e cujo horário de exercício dessas atividades se incompatibiliza com o da repartição. ... Uns são cotistas de empresa, outros, mais fazendeiros que fazendários, uns consultores de empresas, outros advogados disfarçados".

1988 - 1995 - Contexto político-econômico (2)

Além das características marcantes do período, já apresentadas na postagem anterior, outros aspectos são destacáveis nesses anos:

a) a retomada, pela direita, do Governo do Estado, em março de 1991, com a eleição de Joaquim Francisco de Freitas Cavalcanti para Governador;

b) a manutenção da instabilidade econômica, mesmo com a adoção de "planos econômicos", os conhecidos pacotes de medidas, muitas heterodoxas e algumas, como o "confisco da poupança", consideradas violadoras de direitos constitucionais básicos;

c) a exacerbação da corrução no Governo Federal, a ponto de provocar movimento popular em favor do impeachment do Presidente, afinal obtido em setembro de 1992;

d) a volta de Arraes ao Governo do Estado, mas com duas grandes fontes de dificuldades: por um lado, graves desequilíbrios nas finanças do Estado, de várias origens, entre elas, aumentos salariais exagerados concedidos pelo Governo anterior e alterações nas receitas públicas em razão do Plano Real.

Márcio Bartolomeu Alves Silva, Chefe da Assessoria Econômico-Financeira no segundo Governo Arraes, em seu exaustivo estudo, publicado no número 1 (dezembro de 1997), do vol. 1 da revista Tributação & Desenvolvimento (páginas 10 a 48), intitulado "Federalismo e crise fiscal no Brasil: o caso de Pernambuco"
(disponivel em http://www.sefaz.pe.gov.br/flexpub/versao1/filesdirectory/sessions568.pdf), afirma: "Essa receita (a orçamentária) evidencia a dimensão da crise fiscal e financeira estadual. A receita orçamentária de 1987 é superior em 14% à receita orçamentária de 1994" (p. 30) e "Não fosse a inflação, que contribuiu para o financiamento da ação estatal no período que vai de 1989 até 1994, ano de implementação do Plano Real, a crise financeira dos Estados teria sido mais grave ainda. Esta contribuição decorreu do fato de que os valores do ICMS, a partir de 1990, passaram a ser corrigidos mensalmente, enquanto os salários eram corrigidos em períodos variáveis, a depender do desempenho das receitas e de decisão do governo" (p. 32). Com relação ao ano de início do terceiro governo Arraes - 1995 - a análise mostra a dimensão da crise financeira: a receita orçamentária de Pernambuco, em valores deflacionados, se tomada como 100 no ano de 1987, alcançou os índices 82, 86 e 93, nos anos 1993, 1994 e 1995, respectivamente. Ou seja, em 1995, a receita orçamentária ainda era menor que a de 1987, quando a inflação voltou após o Plano Cruzado. Com relação à mudança havida em 1996, após a saída de Pedro Eugênio, observem-se os índices da receita orçamentária e, especialmente, o das operações de crédito, principal determinante da elevação da receita orçamentária: 132 para o total da receita e 245 para as operações de crédito (cerca de duas vezes e meia as realizadas em 1987).

O Plano Real havia sido iniciado com a publicação da Medida Provisória nº 434, publicada em 27 de fevereiro de 1994, pelo Presidente da República Itamar Franco. A MP instituiu a Unidade Real de Valor (URV), mecanismo para desindexação da economia, objetivo principal do Plano. Os impactos econômicos do Plano Real demoraram a ser conhecidos. Fábio Giambiagi, analista econômico da economia brasileira durante muito tempo, em seu trabalho "Dezessete Anos de Política Fiscal no Brasil: 1991-2007" comenta: "Mesmo sem recuar tanto no tempo, ainda em julho de 1995, um ano depois do Plano Real, as autoridades não tinham idéia do que estava em curso em matéria fiscal naquele ano. Esse conhecimento só veio a ocorrer no mês de agosto, quando foram divulgadas as contas com o acumulado do resultado até maio, mostrando uma deterioração fiscal aguda em relação a 1994" (p. 12). (Texto para Discussão, do IPEA, disponível em
http://www.ipea.gov.br/082/08201008.jsp?ttCD_CHAVE=2859).

Os efeitos sobre as contas públicas, referidos pelo autor, decorrentes do controle da hiperinflação, ocorrido com o Plano Real, adicionam explicações, às fornecidas por Márcio Bartolomeu, às dificuldades financeiras do terceiro Governo Arraes: "nos primeiros anos da década de 1990, houve um esforço fiscal de geração de resultados primários de certa relevância, favorecidos pelo contexto de alta inflação, que permitia aos governantes acomodar as pressões por mais gasto, deixando-as serem depois parcialmente corroídas pela inflação. Em 1995, o mecanismo se exauriu e as falências no controle do gasto se fizeram notar com toda a sua intensidade, gerando resultados primários inclusive negativos em algumas oportunidades" (p. 13). O resultado primário (diferença entre receitas e despesas, exceto juros) dos Estados e Municípios somente passou a ser conhecido separadamente, nas estatísticas financeiras do País, a partir de 1997. Em 1993 e 1994, esse resultado, como percentagem do PIB, foi positivo em 0,62 e 0,77, respectivamente. De 1995 a 1998, o indicador foi negativo: –0,16; –0,50; –0,67; e –0,17. Essa é uma evidência do período difícil para as finanças após a estabilização monetária.

Giambiagi refere-se à questão dos aumentos de salários, apesar de mencionar "muitos governadores empossados em 1995" (p.28): "aceitaram demandas de aumentos generosos do funcionalismo, sem perceber que a corrosão real que os salários teriam que sofrer depois demoraria anos, em um regime de inflação baixa, para fazer os salários reais retornarem a um patamar mais realista. Isso contrastava fortemente com o que acontecia na época de alta inflação, quando aumentos nominais altos eram rapidamente compensados pela elevação dos preços". Esse aspecto é significativo no caso de Pernambuco, tendo em vista observações no
sentido de terem ocorrido aumentos exagerados de salários nos últimos meses do governo anterior (Joaquim Francisco de Freitas Cavalcanti).

Do ponto de vista da Secretaria da Fazenda, uma síntese do contexto político precisa subdividir esse período em vários subperíodos.

1987 - primeiro ano de um governo marcado pelo retorno de um mandatário cujo trabalho foi interrompido pelo golpe militar. Por outro lado, um governo estadual a se firmar numa república em processo de redemocratização, em plena discussão de uma nova Constituição. O Governo Federal comandado por um presidente que, além de eleito indiretamente como vice, foi surpreendido, juntamente com toda a Nação, pela possibilidade real de governar, ou tentar evitar a ingovernabilidade. No âmbito interno da Secretaria, um grande conjunto de reivindicações de classe, não passíveis de atendimento no curto prazo, fragilizou a gestão e levou à saída do Secretário Flávio Lira.

1988 - 1990 (abril, mês em que Arraes se desincompatibilizou para se candidatar a Deputado Federal, tendo assumido seu Vice, Carlos Wilson Campos) - os destaques desse período, como mencionado anteriormente, foi a edição das Constituições Federal e Estadual, respectivamente. No campo tributário, preparação de leis contendo muitas alterações em relação ao sistema anterior e com um prazo curto para sua preparação e aprovação. Do ponto de vista organizacional, muitos esforços para aperfeiçoar os sistemas operacionais e, principalmente, o atendimento aos contribuintes; foi um período de descentralização na área das Agências da Receita Estadual (AREs) e fortalecimento de Departamentos Regionais e "Agências Pólo". Nesse Período, além de Tânia Bacelar, também esteve como Secretário da Fazenda Pedro Eugênio, então Secretário de Planejamento, por um período de licença para tratamento de saúde de Tânia. Essa passagem pela Secretaria viria a ser uma iniciação para sua gestão, em 1995, no terceiro Governo Arraes.

1990 (abril) - 1991 (março) - esse foi o período do Governo Carlos Wilson, eleito vice-governador de Arraes e cujo irmão, Wilson Campos Júnior, foi o Secretário da Fazenda. Diferentemente dos Planos Anuais Globais publicados em 1990 e mencionados em postagem anterior, em que se pôde registrar neste blog toda a equipe engajada, o Relatório de Atividades - Quatriênio: 1987-1991, datado de março de 1991, não contém nenhum nome.

1991 (março) - 1991 (dezembro) - nesses primeiros meses do Governo Joaquim Francisco o Secretário da Fazenda foi Heraldo Borborema Henriques.

1991 (dezembro) - 1994 (dezembro) - após a saída de Heraldo Borborema, e até o final do Governo, três Secretários passaram pela Secretaria. Inicialmente, foi Gustavo Krause Gonçalves Sobrinho que, pela segunda vez, assumiu a Secretaria da Fazenda, o que havia feito anteriormente, nos anos setenta, no Governo Moura Cavalcanti. Um marco desse período foi a realização de concursos públicos para cargos fazendários, o que não ocorria desde 1981, depois de aprovação de Lei sobre o Plano de Cargos, Carreiras e Vencimento (PCCV), e a atuação do Instituto de Administração Fazendária (IAF) em amplo programa de treinamento para centenas de servidores que eram admitidos a partir do concurso. O programa será objeto de detalhamento posteriormente. Após Gustavo Krause, foram Secretários: Luiz Otávio de Melo Cavalcanti, que também havia sido Secretário anteriormente, na primeira metade dos anos oitenta, no Governo Roberto
Magalhães; e Admaldo Matos de Assis.

1995 - 1996 (janeiro) - Arraes assumiu seu terceiro governo e Pedro Eugênio Toledo Cabral foi o Secretário da Fazenda; eu fui seu Secretário Adjunto. Como mostrado no início desta postagem, os efeitos do Plano Real sobre as finanças públicas se fizeram sentir muito fortemente e as demandas salariais, especialmente na Secretaria da Fazenda, representaram uma constante ao longo do período. Com a saída de Pedro Eugênio, em janeiro de 2006, assumiu Eduardo Campos, então Secretário da Casa Civil.